segunda-feira, 14 de maio de 2018

Os soldados que se apaixonaram em plena guerra do Iraque e lutaram por 12 anos para ficar juntos BBC BRASIL.com

 


Allami e Hrebid lutaram mais de uma década pelo direito de viver seu amor em liberdade
O ano era 2003. Formado em artes plásticas, mas incapaz de achar trabalho no Iraque em guerra, Nayyef Hrebid se candidatou ao posto de intérprete do Exército americano.

Allami e Hrebid lutaram mais de uma década pelo direito de viver seu amor em liberdade
Foto: World of Wonder Productions
"Fui enviado a Ramadi, naquela época o pior lugar (para se trabalhar). Saíamos em patrulhas e as pessoas eram mortas por bombas e franco-atiradores. Eu perguntava a mim mesmo: 'por que estou aqui? Por que estou fazendo isso?'."
Mas um encontro, ao acaso, com um soldado do Exército iraquiano mudaria tudo.
"Um dia, estava sentado do lado de fora e vi um rapaz sair do bloco dos chuveiros. O cabelo dele era muito negro e brilhante, e ele estava sorrindo. Pensei: 'meu Deus, esse cara é muito lindo'."

Hrebid trabalhava como tradutor para o Exército americano
Hrebid trabalhava como tradutor para o Exército americano
Foto: World of Wonder Productions
"Senti que algo bonito tinha acontecido em um lugar tão ruim."

Sono velado

Hrebid era homossexual, mas mantia isso em segredo - como relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo são tabu no país, gays correm risco de sofrer ataques violentos.
"No Iraque, ser gay é considerado algo muito errado e traz vergonha para a sua família. Você pode até ser morto, então tem de ser muito cuidadoso", explicou.
O que Hrebid não sabia é que o soldado que ele avistara naquela tarde, Btoo Allami, também se sentia atraído por ele. Algum tempo antes, os dois tinham viajado no mesmo veículo.
Btoo, fotografado ao lado de um veículo Humvee do Exército americano, era sargento no Exército iraquiano
Btoo, fotografado ao lado de um veículo Humvee do Exército americano, era sargento no Exército iraquiano
Foto: World of Wonder Productions
À distância, Allami tinha admirado Hrebid, que adormecera em seu assento.
"Ele parecia muito cansado", relembra.
"Eu tinha a estranha sensação de que procurara por ele há muito tempo. O meu sentimento crescia com o tempo e eu sabia que queria falar com ele", contou Allami.

Declaração de amor

Um dia, os dois foram enviados em uma missão para retirar insurgentes do hospital da cidade. E aos poucos finalmente começaram a se conhecer.
"Depois das patrulhas, nós voltávamos para o alojamento e, um dia, Btoo me convidou para comer e conversar com ele e os outros soldados", contou Hrebid. "Nós conversávamos toda noite e o meu sentimento por ele ia crescendo."
Três dias após aquele jantar, os dois inventaram uma desculpa para sair do alojamento e conversar a sós. Eles se sentaram em um estacionamento escuro, cheio de Humvees (veículos utilitários militares) do Exército americano.
"Me sentia muito próximo dele e achei que era hora de dizer algo", contou Allami.
"Então falei do que eu sentia, disse que estava apaixonado por ele. Ele me beijou e saiu. Foi uma noite maravilhosa. Fiquei dois dias sem comer depois daquilo."
O relacionamento foi evoluindo e eles passavam cada vez mais tempo juntos no acampamento.
"Nas missões, eu tentava ficar perto dele, embora devesse estar com os americanos. Caminhávamos juntos e tiramos algumas fotografias", disse Hrebid.

Perseguições

Os colegas iraquianos e americanos logo começaram a perceber que havia algo entre eles.
"Falei sobre Btoo ao meu capitão americano e ele nos ajudou, trazendo Btoo para ficar algumas noites comigo no acampamento americano", disse Hrebid.
"Mas alguns dos outros soldados pararam de falar comigo quando descobriram que eu era gay. Um dos meus amigos tradutores, um rapaz da minha cidade, me bateu com um pedaço de pau e quebrou meu braço."
Em 2007, Hrebid e Allami foram enviados a Diwaniyah, no sul do Iraque. Eles tinham a sorte de estar na mesma cidade, mas ainda tinham de manter o relacionamento em segredo.

Separação

Em 2009, Hrebid pediu asilo nos Estados Unidos. Após o longo período de serviços prestados ao Exército americano, era muito perigoso para ele ficar no Iraque.
"Pensei que, se eu fosse, seria fácil convidar Btoo para vir depois."
"Sabia que se ficássemos no Iraque não haveria um futuro para nós. Íamos acabar casados com mulheres e vivendo escondidos para o resto da vida. Mas eu tinha assistido (ao seriado de TV) Queer As Folk e sabia que existia uma comunidade gay no outro lado do mundo."
O pedido de asilo de Hrebid foi aceito e ele foi viver em Seattle, no Estado americano de Washington. Mas suas tentativas de conseguir um visto para Allami fracassaram.

Allami (esq) e Hrebid sabiam que jamais poderiam viver como um casal no Iraque
Allami (esq) e Hrebid sabiam que jamais poderiam viver como um casal no Iraque
Foto: World of Wonder Productions
Nesse meio tempo, a família de Allami havia descoberto sua homossexualidade e ele sofria pressão para se casar com uma mulher. Com a ajuda de um amigo de Hrebid - o ativista pelos direitos de refugiados Michael Failla -, o jovem fugiu para Beirute, no Líbano.
"Não foi uma decisão fácil, eu tinha um contrato de 25 anos com o Exército e era o único suporte financeiro da minha família. Mas eu sabia que tinha de ficar com Nayyef", contou Allami.
Ele apelou ao Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), mas seu visto para entrada nos Estados Unidos como turista venceu antes que seu caso fosse resolvido.
Para dificultar a situação, como imigrante ilegal no Líbano, tinha de se manter longe de soldados e postos de checagem, sob o risco de ser enviado de volta para o Iraque.
"A espera foi difícil", disse Allami. "Mas quando falava com Nayyef, sempre me sentia mais forte."
Eles conversavam pelo Skype todos os dias.
"Ele me via fazendo café da manhã, eu o assistia enquanto ele fazia o jantar, nós conversávamos como se vivêssemos juntos", disse Hrebid.
Allami foi entrevistado várias vezes pelo Acnur, mas seu pedido sofreu vários reveses e atrasos.

'Padrinho'

Michael Failla interveio novamente, voando duas vezes para Beirute para advogar em nome de Allami.
"Eu digo que ele é meu padrinho", contou o iraquiano.
No entanto, enquanto aguardava a decisão do Acnur, Allami foi chamado para uma entrevista na embaixada do Canadá no Líbano.
Em setembro de 2013, com a ajuda de Failla, ele voou para Vancouver, no Canadá. Com isso, agora apenas 225 km separavam os dois.
"Eu viajava todo fim de semana e nos meus dias de folga para ver Btoo", disse Hrebid.
Eles se casaram no Canadá, em 2014. Hrebid pediu, então, um visto para que seu marido pudesse ir viver com ele nos Estados Unidos.
Em fevereiro de 2015, os dois foram chamados para uma entrevista no departamento americano de imigração em Montreal.
"Foi um voo longo, seis ou sete horas. A temperatura (em Montreal) era 27 graus abaixo de zero, eu estava congelado", recordou Hrebid.
"A oficial nos fez três ou quarto perguntas e, depois de uns dez minutos, disse a Btoo: 'Você foi aprovado para viver como imigrante nos Estados Unidos'."
"Tive de pedir a ela para repetir. Cobri minha boca com a mão para não gritar. Saímos da sala e eu chorava e tremia. Não podia acreditar que aquilo estava finalmente acontecendo. Íamos morar juntos no lugar onde queríamos viver."
Em março de 2015, doze anos depois de se conhecerem, Hrebid e Allami viajaram de ônibus de Vancouver para Seattle. Eles decidiram fazer uma nova cerimônia de casamento em Seattle.
"Não tínhamos celebrado o primeiro casamento e queríamos o casamento dos nossos sonhos", disse Hrebid. "Foi o dia mais feliz da minha vida."

Documentário

Hoje, o casal mora em um apartamento em Seattle. Hrebid, que trabalha como gerente em uma loja de decoração, é cidadão americano. Allami tem um green card e deve se tornar cidadão do país no ano que vem. Ele trabalha como supervisor em canteiros de obra.
A história dos dois foi contada no documentário Out of Iraq , exibido no LA Film Festival (festival de cinema de Los Angeles) no ano passado.

"Agora sou livre", diz Allami
"Agora sou livre", diz Allami
Foto: World of Wonder Productions
"Não temos de nos esconder. Posso segurar a mão dele quando caminhamos pela rua", disse Hrebid.
Allami concorda. "Tudo ficou tão diferente para nós agora."
"Antes não havia esperança, mas agora somos uma família. (Seattle) é uma cidade que acolhe homossexuais. Meu sonho se realizou. Sou livre."

Homossexualidade no Iraque

Não é ilegal ser gay no Iraque, mas, militantes dizem que homens e mulheres homossexuais são vítimas de assassinatos no país.
Em 2012, uma investigação do Serviço Mundial da BBC revelou que órgãos ligados à polícia estavam envolvidos em perseguições sistemáticas de homossexuais.
O grupo autodenominado Estado Islâmico, que controla áreas do país, matou dezenas de homens homossexuais em 2015 e 2016 - muitos deles jogados do topo de altos edifícios.
Imagem relacionada*

 Segundo estudo publicado nesta semana no “Journal of Personality and Social Psychology", a máquina tem precisão de 81% entre homens e 74% entre mulheres, mas “a precisão do algoritmo aumenta para 91% e 83%, respectivamente, se forem dadas cinco imagens da pessoa”.Os cientistas alimentaram uma rede neural profunda com 35.326 imagens faciais e, a partir delas, a máquina foi capaz de distinguir tanto traços físicos, como o formato do nariz, e o gestual de gays e heterossexuais. As fotografias foram retiradas de um site de relacionamentos público. Os resultados levantam questões sobre as origens biológicas da orientação sexual, a ética das tecnologias de reconhecimento facial e o potencial da inteligência artificial em violar a privacidade das pessoas.“Os resultados avançam nosso entendimento sobre as origens da orientação sexual e os limites da percepção humana. Além disso, dado que companhias e governos estão cada vez mais usando algoritmos de visão computadorizada para detectar questões íntimas das pessoas, nosso estudo expõe uma ameaça à privacidade e segurança de homens e mulheres gays”, dizem os pesquisadores.
A pesquisa identificou que, além do gestual e da apresentação, algumas características físicas indicam maior tendência para a homossexualidade. Entre os homens, por exemplo, os gays possuem mandíbulas mais estreitas, narizes mais longos e frontes maiores que os homens heterossexuais. Entre as mulheres, mandíbulas maiores e frontes menores sinalizam a homossexualidade.
Estudos anteriores mostraram que humanos têm precisão de 61% para identificar a orientação sexual de homens apenas analisando imagens, e 54% para mulheres. Dessa forma, o sistema criado pelos cientistas em Stanford mostra que “as faces possuem muito mais informações sobre orientação sexual que podem ser percebidas e interpretadas pelo cérebro humano”.
Os pesquisadores sugerem que os resultados fornecem “forte apoio” à teoria de que a orientação sexual decorre da exposição do feto a certos hormônios antes do nascimento, que as pessoas nascem gays, não é uma escolha.
E as implicações para a privacidade são alarmantes. Redes sociais e bancos de dados de governos possuem bilhões de imagens faciais, e essas informações podem ser usadas para detectar a orientação sexual das pessoas sem consentimento. Adolescentes, por exemplo, podem usar a tecnologia para analisar imagens de colegas, mas o mais alarmante é que governos que perseguem a população LGBT podem usar a análise de imagens para identificar seus alvos.Imagem relacionada

 


— É certamente inquietante. Como qualquer ferramenta nova, se ela parar nas mãos erradas, pode ser usada para propósitos ruins — disse Nick Rule, professor de psicologia da Universidade de Toronto, em entrevista ao “Guardian”. — Se você começa a perfilar pessoas com base na aparência, depois as identifica e faz coisas horríveis contra elas, isso é realmente ruim.
Os autores argumentam que a tecnologia existe, e demonstrar suas capacidades é importante para expor governos e companhias que cogitem fazer uso dela, além de levantar o debate sobre os riscos de privacidade e a necessidade de novas regulações.
— O que os autores fizeram aqui foi uma declaração forte de quão poderosa essa tecnologia pode ser. Agora nós sabemos que precisamos de proteções — comentou Rule.

 
 
 
 
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O RAPAZ QUE VIROU MULHER


UAA se encontrou com Antônio Neto num famoso café próximo a Av. Paulista, em São Paulo. Chegamos um pouco atrasados, afinal o trânsito de SP é sempre imprevisível, mas isto não nos impediu de encontrar Antônio tranquilo, sorridente, com braços e coração abertos. Ao olhar nos olhos dele, era impossível dizer que aquele mesmo homem havia vivido 20 anos no corpo de uma mulher – no caso, Nádia, uma mulher que ele foi e não se arrepende de ter sido.
“Quando eu digo que voltei ao gênero masculino, muita gente acha que eu encontrei Jesus. A minha transformação não tem nada a ver com religião. Por que eu deveria continuar carregando uma mulher que, 20 anos depois, deixou de ter significado para mim?”, diz num tom calmo e suave. Antônio é bom com as palavras. Te conduz com a maestria de um contador de histórias profissional. Não é de se espantar que sua trajetória de 4 décadas – e duas transformações de gênero – tenha virado livro, Mel e Fel, o qual ele demorou três anos para publicar.
Sem editora, a única forma de conseguir uma cópia é pedindo para ele. Algo que UAA recomenda. Conversar por algumas horas com Antonio é descobrir o verdadeiro significado de índole e essência – algo que não tem a ver com gênero, sexo, etiqueta da roupa ou status.
Conte-nos um pouco sobre sua infância em Fortaleza…
Eu sou filho de um comerciante e de uma enfermeira, que faleceu logo após eu nascer. Eu tinha 11 meses quando ela morreu de Leucemia. Meu pai era dono de um comércio e não tinha como me criar sozinho. Ele resolveu voltar para a casa dos pais dele, onde viviam meus avós e cinco tias solteiras. Na ausência dos meus avós e do meu pai, eu ficava nas mãos das minhas tias, e das duas empregadas que tínhamos em casa. Minhas tias tinham suas atividades e seus namorados; eu era um menino bem sozinho.
Quando você foi abusado sexualmente pela primeira vez?
A minha avó adotou um rapaz quando ele ainda era criança. Ele cresceu fazendo parte da família e se tornou um tio de consideração para mim. Eu deveria ter 4 ou 5 anos de idade, enquanto o rapaz era pré-adolescente, tinha 12 ou 13 anos. Então eu e aquele tio de consideração começamos a nos aproximar. Nessa convivência diária, ele tirava proveito da minha inocência infantil. Eu tenho recordações sexuais e eróticas com esse tio. Isso durou uns 3 anos.
Por que acabou?
Um certo dia, alguns familiares começaram a desconfiar e reportaram ao meu pai, que era muito violento e alcoólatra. Ele deu uma surra nesse rapaz e fui até  tirado de casa. Quando eu voltei, o comportamento desse tio mudou drasticamente em relação a mim – ele começou a me ignorar.
E o que aconteceu? 
Bem, era tarde: eu já estava transformado. Já era uma criança “erotizada” precocemente, e isso chamou atenção de outros rapazes. Com 7 e 8 anos, eu já ficava movido quando via outros rapazes, da escola, nus. Sendo assim, comecei a me aproximar de outros garotos. Os rapazes eram mais velhos e, eventualmente, quando lhes convinha, aproveitam-se do meu interesse neles.
Sua família já estava reparando que havia algo de diferente? Foi aí que você percebeu que talvez outro corpo lhe serviria melhor?
Naquela época, década de 1970, minha família não falava muito. Era um assunto tabu. Porém, me tornei adolescente e minha situação ficou mais explícita. Naquela época, pouco se falava de pedofilia e abuso sexual: os homens se sentiam à vontade para realizar suas taras com os garotinhos. Quando eu tinha 13 e 14 anos, eu era um rapaz bonito e andrógino que chamava bastante a atenção. No caminho da escola, diversos carros paravam convidando-me para entrar. E não eram poucos os carros e as motos que faziam o convite.
Isto lhe despertou algo, é isso?
Sim. De repente eu estava em lugares reclusos nos braços de homens peludos e formados. Por conta da minha androginia, meu corpo lembrava o físico feminino, eu desempenhava sempre o papel da moça nas relações sexuais. Foi aí que, inconscientemente, apareceram os primeiros traços de transexualidade em mim.
Isso foi o princípio?
Eu não tinha nenhuma informação sobre a transexualidade. O que eu sabia era que as pessoas, principalmente o meu pai, esperavam que eu tivesse os trejeitos de um ‘garoto comum’. Eu não tinha nem a malícia de vestir as roupas da minha tia, ou qualquer item de mulher. Eu devo ter calçado um sapato de salto-alto em algum momento, mas mais pelo desafio de me equilibrar sobre o par que pela malícia de me vestir como mulher.
Como foi amadurecer sem ser um “garoto comum”?
Quando a adolescência se instaurou, de fato, aos 15 ou 16 anos, apareceram mudanças desagradáveis no meu corpo. Eu perdi aquelas pernas roliças, aquele bumbum empinado, emagreci e apareceram as acnes. Meu cabelo encaracolado mudou, meu nariz cresceu. Estava feio. Fiquei bastante introspectivo. Também me chamavam de veado e magricela na escola. O bullying diminuiu meu rendimento escolar – eu repeti três vezes o último ano do ensino fundamental antes de abandonar os estudos.
E como você reagiu?
Quando eu completei 18 anos eu tive acesso a uma quantia de dinheiro que havia sido guardada para uma faculdade. Gastei tudo naquilo que eu acreditava ser importante na época: eu fiz uma cirurgia no nariz e tinha certeza que todos os meus problemas estavam atrelados a minha aparência. Eu queria ser desejado como era quando mais novo. Me matriculei na academia. Cheguei até a servir o exército, fui voluntário. Estava procurando pela minha ‘masculinização.’ Foi um grande desafio: um homem afeminado e franzino no meio daquele universo viril.
Foi quando resolveu se tornar mulher?
Aos poucos, a minha autoestima foi voltando e tentei me convencer de que o papel feminino não me cabia. Eu já havia me aceitado como homossexual e tinha amigos gays. Mas meu físico magro não agradava os gays. Foi quando eu conheci algumas travestis, que tinham namorados, e eu percebi que o terceiro sexo poderia ser uma opção. Eu tinha uns 19 ou 20 anos e resolvi começar a tomar hormônios. Em três meses eu já havia inchado bastante, principalmente no bumbum e na coxa. Podia até entrar até em banheiros femininos sem ser percebido!
Que tipos de dificuldades encontrou na sua trajetória? Tentou lutar contra?
Fora dos portões de casa, eu assumia minha nova face, mas dentro de casa eu escondia usando roupas largas, passando gel no cabelo comprido, colocando boné. Não demorou para eu ser desmascarado. Fui muito reprimido, até pelos amigos gays e primas lésbicas. Ao mesmo tempo, eu não havia me formado na escola, não tinha diploma de nenhuma área, e eu sabia que minhas amigas travestis se prostituíam. Por pressão e pelo medo de seguir o mesmo caminho delas, cortei os remédios e voltei ao perfil masculino. Eu tentava me convencer de que este era o caminho certo. Cheguei até a ter uma namorada! Transei, mas não senti nada.
Quando voltou ao processo?
Num determinado momento, comecei a me perguntar como estaria se ainda estivesse tomando os hormônios. Assim, aos 23 anos decidi voltar aos remédios e retomar a transformação. Percebi que precisava me dar essa chance, mesmo que eu tivesse que me prostituir – naquela época, essa era a única oportunidade das travestis. Se eu não fizesse isso, entraria novamente num quadro de depressão profunda. Foi aí que eu mudei para São Paulo com uma amiga travesti.
Foi nesse período que, de fato, você virou mulher?
Com a ajuda dela, comprei uma peruca, salto alto, roupas de mulher. Depois de três dias de ônibus, finalmente cheguei em São Paulo. Foi uma mudança radical sair de uma rotina segura para uma atmosfera complicada. Eu entrava nos carros e dizia para irmos no hotel de preferencia deles – eu não conhecia nada! Aprendi na marra como me portar: cheguei até a esquecer de cobrar. Um amadorismo total! Fui descobrindo as coisas pouco a pouco. Ah! Meu nome era Nádia.  E devo confessar que me deu muita sorte (risos).
Você se relacionou com diversos homens que se intitulavam heterossexuais. Que experiências foram essas? E quais eram os perfis deles?
O perfil era bem variado, mas havia uma predominância de pessoas bem instruídas e de classes sociais privilegiadas. De universitários a homens casados. Os clientes eram gentis e queriam ser satisfeitos. Claro que cruzei por pessoas problemáticas – policiais, bandidos – que só queriam se dar bem no final da noite. Me deitei com homens que apoiavam a arma na cabeceira da cama, e diziam: ‘não se preocupe, é só o meu instrumento de trabalho’. Em outras situações, o rapaz confessava que era bandido, ‘acabei de fazer uma fita ali, e gostaria de relaxar antes de voltar pro barraco’. Eu confesso que procurava esquecer a arma apoiada… E não vou mentir que tentava ser muito mais generosa, afinal havia um elemento fatal dentro do quarto.
Quando foi para a Europa?
Aos 32 anos, uma amiga que estava na suíça se ofereceu para financiar a minha ida para a Europa. Viajei devendo U$ 8.000,00 para ela. A gente a chamava de cafetina. Depois de quitar o valor, estaria livre para juntar dinheiro. Cheguei com lugar para morar, telefone na mão, e anúncio no jornal. Fui com o meu passaporte de Antônio e com um corpo de mulher, claro. Naquela época, já estava muito mais madura. Trabalhei em quatro países: Suíça, França, Bélgica e Luxemburgo. Eu tinha facilidade com a língua francesa. Me prostituindo, consegui independência financeira. A cada dois anos, voltava ao Brasil e investia em imóveis. Pouco depois eu já sabia que não queria continuar me prostituindo e que gostaria de ter uma carreira diferente.
Você mudou de sexo novamente. Conte-nos sobre o episódio.
Eu fui uma transexual. O que é uma transexual? Uma pessoa que não se aceita no seu corpo e no seu gênero, e precisa igualar a sua imagem exterior ao seu interior. No entanto, 20 anos depois, eu precisei passar pelo processo inverso. Eu deixei de me aceitar como mulher. Eu estava vendendo algo que eu não acreditava mais. Eu era uma travesti muito feminina, as pessoas muitas vezes não reparavam que eu já havia sido homem. Todo aquele sentimento que havia me instigado tanto, que me fez lutar fortemente, passar por diversos desafios, numa determinada altura da minha vida havia perdido o significado.
Então…
Então, por que eu deveria continuar carregando aquela mulher se ela não era mais tão importante para mim? Eu percebi que não queria mais pagar o preço da prostituição. Eu queria voltar a estudar. Então resolvi voltar ao Brasil e passar por todo o processo de transição novamente. Fiz todas as operações necessárias para voltar a forma masculina, além de me matricular numa academia. Houve um momento que eu parecia uma mulher querendo ser um homem (risos).
O que tem feito e quais são seus planos?
Com 42 anos, fiz um supletivo para terminar o ensino fundamental e cursos de qualificação para o mercado de trabalho. Tirei a minha carteira de trabalho, o que me deu uma satisfação imensa. Aliás, tudo isso que eu fiz após voltar ao gênero masculino, eu poderia ter feito como travesti. Atualmente, sou recepcionista da saúde, num consultório médico.
E o livro? Pretende tocar outras pessoas com ele?
Escrevi o livro, porque eu sentia uma necessidade de contar a minha história, ela estava transbordando de dentro de mim. Terminei de escrever em 2013, mas ele só foi impresso em 2016, porque eu não encontrava nenhuma editora que quisesse publicá-lo. As editoras achavam meu livro longo e, por falar de travesti e prostituição, diziam que não seria um sucesso. Eu resolvi registrá-lo e imprimi-lo por minha conta – eu sentia que se eu demorasse mais um pouco, a história ficaria velha.
Você acha que deu um exemplo?
Isto é muito importante: eu não pretendo ser um exemplo para as outras travestis. Essa é a minha história. Singular.
*Antônio ainda está procurando por uma editora para publicar seu livro. Alguém se habilita? :